O livro do desassossego - Fernado Pessoa

"Tenho mais pena dos que sonham o provável, o legítimo e o próximo, do que dos que devaneiam sobre o longínquo e o estranho. Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada. Mas o que sonha o possível tem a possibilidade real da verdadeira desilusão."

sexta-feira, 29 de junho de 2012

BOM RETIRO 958 METROS - TEATRO DA VERTIGEM


Ficha Técnica
Dramaturgo Joca Reiners Terron
Concepção e Direção Geral Antônio Araújo
Co-direção Eliana Monteiro
AtoresLuciana Schwinden
Mawusi Tulani
Roberto Audio
Raquel Morales
Sofia Boito
Conrado Caputto
Kathia Bissoli
João Attuy
Icaro Rodrigues
Samuel Vieira
Bia Bouissou
Naiara Soares
Renato Caetano
Elton Santos
Atriz convidada residente Laetitia Augustin-Viguier
Desenho de luz Guilherme Bonfanti
Direção de Arte Carlos Teixeira
Co-direção de arte Amanda Antunes
Figurinos Marcelo Sommer
Imagem Grissel Piguillem
Trilha Sonora original Erico Theobaldo e Miguel Caldas
Produção Executiva Stella Marini 
Direção de Produção Teatro da Vertigem e Henrique Mariano
Cartaz e divulgação do espetáculo


 BOM RETIRO 958 METROS De 15/6 a 30/9, qui. a sáb. 21h; dom. 19h (recomenda-se chegar 15 min. antes para ir até o ponto de partida). Oficina Oswald de Andrade: R. Três Rios, 363, Bom Retiro, tel. 3255-2713. Gênero: drama. Duração: 110 min. Classificação: 16 anos. Ingressos (só antecipados): R$ 30. Onde comprar: com taxa pelo 4003-5588 ou pelo ticketsforfun.com.br.
Escrito por Humberto Issao Sueyoshi:

Primeiramente, gostei muito do trabalho Bom Retiro 958 metros. Me diverti muito, não senti a passagem do tempo, apreciei muitas das imagens poéticas que foram criadas, os atores estavam em sua maioria bastante apropriados e com uma presença cênica marcante, saindo satisfeito e enriquecido por ter presenciado mais esse trabalho do Teatro da Vertigem. 
Tendo dito isso vou me aprofundar um pouco sobre minhas próprias impressões. 
Diferentemente, por exemplo do Livro de Jó, que eu vi muito novo quando começava a fazer teatro, não tive uma conexão emocional com o espetáculo. No Livro de Jó, essa conexão emocional foi tão forte que guardo na memória a sensação de desespero que algumas cenas me trouxeram, em muitos sentidos virulenta e que impregnou-me durante anos e até hoje é uma referência. Já Bom Retiro esteve conectado à minha razão, como se o trabalho apelasse à minha consciência. É um trabalho muito detalhista e com diversas costuras dramatúrgicas o que foi muito interessante. Reconheci pelo menos 9 linhas de entrelaçamento: "a crente", "os trabalhadores", "o agente transgressor", "o rádio", "os consumidores", "os excluídos", "os manequins", "a noiva" e "as costureiras que nunca dormem", algumas dessa linhas bastante sutis outras bastante grifadas. Esse entrelaçamento, esse trançado dramatúrgico proporcionou não uma sensação de colcha de retalhos (que parece que a enfase está nos retalhos), mas de uma manta de tear feita de lá mesclada (quando as cores estão na mesma linha - conectas portanto - mas cada qual em um lugar, de forma que no resultado final esse mesclado fique de difícil reconhecimento de onde começa uma cor e acaba outra).
(Foto divulgação)
Acredito que parte do motivo do trabalho parecer se conectar mais a minha razão que às minhas emoções se deve ao fato de que o tratamento em linhas gerais não ser levado ao extremo, do sofrimento não danificar a carne, apesar de afetar as ações. Essa indústria do consumo é muito intensa (lembro que quando li Sem Logo da Noemi Klein, o livro me chocou, afetando meu corpo, e minha forma de lidar com as marcas, os relatos de como funcionava o mercado internacional foi impressionante, era possível sentir na carne algumas das impressões que ela escreveu), mas não sei se o trabalho me afeta nesse ponto. 
É admirável o aspecto técnico de iluminação - foram soluções incríveis e muito inspiradas. No quesito condução do público, vc tem razão de que não é um trabalho fácil e o próprio público não ajuda muito - penso que talvez alguns banquinhos em determinados pontos resolveriam a questão, mesmo assim em nenhum momento senti que o percurso era gratuito. Essas foram as considerações gerais.
Outras reflexões mais desconexas seriam:
Senti a ausência de orientais na peça, principalmente por ser no Bom Retiro (orientais coreanos de fato, eles apareceram como referência no núcleo dos manequins, mas acho pouco), e a sua estrutura cultural, a forma como eles agem, até da língua deles senti falta e acho uma ausência pois eles, mesmo poucos, transitam pelas ruas durante a peça.
Das peças que assisti do Teatro da Vertigem é a primeira que eu encontrei bom humor e acho isso bom e enriquecedor.
Os carros me preocupavam, mesmo com os assistentes na rua, ficava temeroso por eles e às vezes por mim. Acho que um aviso em letras grandes no programa seria de bom tom, o mesmo vale para: abaixe quando estiver na frente da cena, não acho que atrapalhariam e acho que realmente ajudaria. 
A dramaturgia é excepcional, os trabalhadores anônimos, as costureiras que nunca dormem e toda a cadeia produtiva do consumo se entrelaçando e se esticando foram muito interessantes, mas não sinto que elas tensionam-se no limite. O que quero dizer é que cada linha, quando  partida - entre aspas -  ao final do espetáculo, não chega a arrebentar, como se ela fosse esticada ao limite, é mais como se a linha fosse colocada de lado por outra que é vendida - entre aspas - como mais brilhante. 
As intervenções nas fachadas dos prédios são incrivelmente poéticas e interessantes, mas sinto que faltou um pouco de diálogo entre a atuação e as projeções.
(Foto: Flavio Morbach Portella / Divulgação)
Tanto em O livro de Jó, quanto em Apocalipse eu como espectador tinha uma função - entre aspas - a de testemunha. Em Bom Retiro, não me sinto como testemunha, sinto-me como espectador e acho que preferia ser mais testemunha que espectador. Acho que o motivo disso é que apesar da dramaturgia ser uma manta que cobre tudo, a ausência de um único ser (talvez?) que fizesse esse papel de testemunha e me colocasse nesse papel, também seria interessante. Apesar da "crente" poder fazer esse papel, acho muito tímido. Outra opção seria que na dramaturgia das outras linhas esse fato se colocasse (Tipo: vcs são testemunhas, que em parte acontece no núcleo dos excluídos, mas que para que nós - público - nos sentíssemos assim, isso talvez tivesse que ser reforçado).
Bom acredito que seja isso. Talvez com os dias pensando mais e deixando a peça decantar outras reflexões apareçam, e como estou conversando com outros amigos que viram a peça novas coisas se revelem....

Por Humberto Issao Sueyoshi.

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